sábado, 26 de março de 2011

O MÁGICO DE BOSS


Era uma vez, uma menina muito bonitinha com cara de sapeca chamada Dorotéia Melilo, que morava numa pequena fazenda do Projackansas. Educada, batalhadora, aventureira, decidida. Sim, decidida a fazer com que todos os homens caíssem aos seus pés.

Mas esse foi seu grande erro. Sim, adorável e espantado leitor: Nessa busca pela felicidade, Dorotéia se perdeu... E não foi só uma vez, não. Por fim, descobriu que o segredo de sua felicidade estava nas patinhas fortes e nos caninos úmidos de seu cãozinho, Totô.

Totô a fazia sorrir, quando ela pretendia chorar. Totô a fazia andar, quando ela pretendia correr. Totô a fazia gemer, quando ela pretendia gemer, mesmo. Muitos cachorros que rondavam a vizinhança queriam uma dona assim. Ora, ora...

Certo dia, Totô sumiu. Sim, desapareceu. Dorotéia se desesperou e pôs-se a chorar. Suas duas melhores amigas tinham a sua admiração, mas não a acordavam com lambidinhas na orelha. Dorotéia estava diferente.

O que fazer, Dorotéia? Seu cãozinho não volta mais... Foi então que nossa heroína foi atrás dele. Seguiu pelo bosque á procura do cãozinho. De repente, uma tempestade, um ciclone, um furacão... Dorotéia se viu perdida, envolvida por uma nuvem de poeira e... Encontrou o reino da Babacolândia. Embora pensar não fosse seu forte, Dorotéia passou a acreditar na teoria de que seu cãozinho estava nesse reino.

Assim, a moça seguiu sua viagem pelo desconhecido. Ora desesperada, ora desesperançosa, ora determinada. Eis que, nessa situação tão crítica, Dorotéia encontra, enquanto passeava por uma plantação de cana-de-açúcar, um primeiro aliado: O Leão “Covardi”. Covardi fazia Dorotéia sorrir, e dizia o que ela queria ouvir. Elogiava a beleza da moça, e tentou enfiar na cabecinha confusa da moça que Totô era apenas um vira-lata. Logo ela, apaixonada por “pit bulls”...

Covardi ensinou Dorotéia a fazer o que ele sabe fazer de melhor: fingir. Mesmo sem coragem, Covardi enganava bem, e se julgava o “rei do pedaço”. Dorotéia e Covardi se tornaram uma bem-sucedida dupla de comediantes, e fizeram sucesso por todo o reino da Babacolândia. Numa dessas viagens, Dorotéia se deparou, numa plantação de algodão, com um lindo exemplar: o Espaspalho.

O Espaspalho era gigante, desajeitado e fingia ter o que não tinha: cérebro. Na verdade, espantalhos nasceram pra ser bonecos, mesmo.    A marca registrada de Espaspalho era o fato dele ter um sorriso pra dar na hora certa (na hora incerta também). Mas, assim como o Leão “Covardi”, Espaspalho não cumpria o seu papel, ou seja, não assustava ninguém. Pelo contrário: era atencioso, educado, perfeito para Dorotéia esquecer Totô. Covardi também viu naquele monte de palha uma tampa para sua panelinha. Mas, como era bem covarde, decidiu não se manifestar a respeito.

Dorotéia passou a ficar mais tempo com o Espaspalho. Adorava se recostar naquele ninho. Muitas vezes, estranhamente, pedia para o novo amigo latir ao seu ouvido. E o tonto latia.

Eis que, num belo dia, por obra do destino, que queria ver o circo pegar fogo, Totô reaparece. Mas o cãozinho estava diferente. Queria se vingar das pessoas que o fizeram desaparecer. E estava visivelmente espantado com a falta de lealdade de sua dona.

Dorotéia tentou agir da melhor maneira possível, como se nada tivesse acontecido. Totô não aceitava mais seus cafunés, nem corria atrás da bolinha jogada por ela. Não estava mesmo para brincadeira. Dorotéia dizia: “Esse não é meu cachorrinho!”.

O Espaspalho não foi embora. Ficou ali, disponível, fincado no meio da plantação, presenciando a cena patética de Dorotéia, que corria desesperadamente atrás de Totô, que fugia da moça feito o diabo da cruz. Quando não correspondida, Dorotéia corria para os braços do Espaspalho, que, como sempre, apenas sorria.

Mas Dorotéia se sentia sozinha, com a rejeição de seu cãozinho de estimação. Covardi parecia planejar um espetáculo solo, e não tinha muita paciência para mulher enrolada. Foi uma fase complicada: Dorotéia começou a fumar e beber... De fato, não era mais a doce Dorotéia de antes.

Quando se está no fundo do poço, duas coisas acontecem. Primeiro, os “amigos” se afastam. Logo depois, surgem pessoas dispostas a comer a carne e roer os ossos, se é que vocês me entendem. Criaturas que parecem enviadas do além com o único objetivo de enterrar a pessoa de vez.

Numa festa no ferro-velho, Dorotéia conheceu uma estranha figura. Fria, um pouco enferrujada, se locomovendo com dificuldade (em virtude da falta de óleo nas juntas), com um olhar indecifrável e um semblante sombrio, a Mulher Sucata parecia ser um pontinho na multidão, mas não era.

Mesmo no fundo do poço, Dorotéia foi eleita a “Rainha da Primavera”. A Mulher Sucata vivia sozinha, desde quando suas companheiras de ferro-velho se transformaram em um calhambeque e abandonaram o reino. Vendo o prestigio e o carisma de Dorotéia, ela passou a acompanhá-la em sua caminhada. Afinal de contas, Dorotéia tinha o que ela não tinha: coração.

As coisas pareciam (eu disse “pareciam”) melhorar. Covardi descobriu que, sozinho, era apenas um gatinho alcoólatra, e ficou cada vez mais próximo de Dorotéia. Junto com Sucata, eles se tornaram a “santíssima trindade” do reino da Babacolândia. Caminhavam felizes e saltitantes pela estrada de tijolos amarelo-vômito. Promoviam festinhas alternativas, desvirtuando jovens, adultos e idosos. Mas eram apenas três.
          
Babacolândia é uma Monarquia, ou seja, só tem um trono. Mas, até chegar lá, o futuro monarca precisa de aliados. Precisa de um verdadeiro Exército, que possa dominar absolutamente todos os vales, bosques e vielas do reino (pra falar a verdade, o trio já dominava as vielas).

Mulher Sucata espalhou cartazes pelo reino para recrutar soldados, com o intuito de firmar um Exército, capaz de exterminar os cães sarnentos, aqueles que ladram, mas não mordem. Liderados por Totô, esse grupo ameaçava as festinhas alternativas do trio. Sem contar que a presença do cãozinho perdido de Dorotéia desestabilizava emocionalmente a moça, o que era um perigo para o plano de Sucata: dominar o reino da Babacolândia.

Mas quem disse que o trio não era forte? Sucata tinha os discursos, não tinha remorsos ou arrependimentos (isso é coisa de mariquinha), Dorotéia e Covardi tinham o carisma. Mas faltava coragem ao leãozinho, faltava maldade à pobre Doroteia, e faltava sensibilidade à temível Mulher Sucata . Pela primeira vez, os três procuraram o famoso e temido Mágico de Boss. Buscavam uma forma de derrotar os inimigos e conquistar o reino da Babacolândia. E foi como se vendessem a alma ao diabo.

Covardi ganhou coragem, Dorotéia ganhou maldade, e Sucata... Ela não ganhou coração. Ela apenas tentava recrutar soldados, enquanto Dorotéia se encarregava de manchar a reputação de Totô. Covardi foi o que teve a mudança mais significativa: passou a encarar seus inimigos de frente. O leãozinho sapeca ganhou força (mas não ganhou honra), e começou a colocar em prática seu plano de extermínio.

Enquanto isso, Dorotéia fazia seu trabalho com perfeição, e o reino da Babacolândia já via o cãozinho Totô como uma ratazana. Sucata insistia em recrutar uma abóbora voadora para seu Exército, mas abóboras voadoras, pasmem, voam.

Como último ato estratégico, a Sucata recrutou o esquecido Espaspalho, dizendo que tinha a solução para o seu problema de falta de cérebro. Sucata levou o bonequinho ao Mágico de Boss, que lhe concedeu um cérebro novinho. E foi com esse cérebro, novinho em palha, quero dizer, novinho em folha, que ele viu vantagem em seduzir Dorotéia. Já Sucata, ainda sem coração, fez com que Dorotéia se entregasse por inteiro àquele monte de palha, esquecendo de vez o seu cãozinho.

Foi o triunfo. Dorotéia, Covardi, Sucata e Espaspalho conseguiram dizimar todos os cães do reino, e passaram a dominar o reino, com propriedade. Agora, os únicos inimigos que eles tinham eram eles mesmos. Mas não poderiam existir piores inimigos que eles mesmos.

O Mágico de Boss deu poder ao quarteto, mas nada que ele dá é em vão. Ele cobra. Com juros e correção. Não é a toa que a cúpula da Babacolândia começou a receber uma vibração estranha. O quarteto disputa a sonhada e controversa coroa e, nessa disputa, vale tudo: ofensas, deboches, sarcasmo, soberba e muita cara feia.

Nas profundezas do além, o Mágico de Boss gargalha histericamente. Afinal de contas, ele, na qualidade de semeador de discórdias, tem um certo tesão em ver a desgraça dos outros.

E assim termina nossa saga. Em vez de ponto final, temos reticências. E, em vez de “Felizes para sempre!” temos “Que Deus os ajude!”.

...

PS.: Mulher Sucata ainda não conseguiu o tão sonhado coração. Vai ver está em falta no mercado.

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