domingo, 16 de junho de 2013

O POVO ACORDOU


“O povo acordou”, diz o otimista. Ele está no meio da praça, segurando a bandeira de um partido político de oposição, com uma camisa estampando o rosto do Che Guevara (aquela foto clássica). Eu caminho lentamente, esboço um meio-sorriso e, antes de seguir meu trajeto, ouso opinar: “Espero que ele continue acordado durante as próximas eleições”.
Embora não tenha causado nenhuma reação significativa naquele otimista, minha frase faz muito sentido: Será que o povo realmente se curou dessa doença estranha, que faz com que ele desmaie de sono diante de uma urna eletrônica? Isso explica por que alguns questionáveis políticos seguem no poder, pelo enésimo mandato. Explica também por que alguns despreparados políticos assumem o poder, mesmo se declarando como tais. Alguns deles são nossos parentes, vizinhos, “chegados”, colegas de mesa de bar e afins que, meses antes das eleições, nos procuram e pedem aquela “forcinha”.
Fico feliz que o povo tenha acordado. Quando acordamos, saímos da cama, vamos ao banheiro e olhamos no espelho. É ótimo olharmos no espelho pela manhã. Quem sabe o povo siga essa rotina e olhe no espelho, tire as remelas do canto dos olhos, lave o rosto, escove os dentes e passe um pente nos cabelos, tentando parecer um pouco mais bonito do que, de fato, é.
Calma, antes que me apedrejem como se eu fosse um prédio comercial, vou tentar esclarecer. Não precisam pichar o muro da minha humilde residência, também me incluo nessa. E olha que tenho arduamente tentado me esquivar de tudo isso. Esse povo que se orgulha do chamado “jeitinho” brasileiro, que não perde a oportunidade de se dar bem, dentro ou fora da lei. Esse povo que “molha a mão” do guarda. O mesmo povo que, hoje, é estudante, trabalhador ou desempregado, e, amanhã, é vereador, senador ou deputado, com os mesmos hábitos, mas com maiores oportunidades. Oportunidades de se dar bem.
Claro que detesto política. A política me fez detestá-la. Acho indispensável, mas a detesto. Acho que política é uma vocação; você abdica de seus interesses particulares em prol do coletivo. Lindo! A teoria é magnífica. Quem não faz parte do circo político vota, cobra, questiona, e não zela pelo patrimônio público, não se importa com suas pequenas artimanhas, se está furtando energia elétrica, superfaturando, sonegando, corrompendo... No fim, somos farinhas do mesmo saco.
Apoio as manifestações, principalmente aquela silenciosa, longe dos holofotes, longe das redes sociais, despida de tatuagens, máscaras, maquiagens, e camisas do Che Guevara. Apoio demais a manifestação comportamental. A honestidade, a conscientização, seja quando eleitor, seja quanto eleito. Gosto desse tipo de revolução. Isso é evolução.
Desconfio de revolucionários de butique. Que precisam chamar a atenção desesperadamente, mesmo que, para isso, se transformem naquilo que estão combatendo. Aquela máxima “seu direito termina quando começa o dos outros” é válida. Como vou aplaudir manifestantes com pedras nas mãos, dispostos a atirá-las a esmo? Como vou apoiar pessoas que depredam patrimônio público ou particular, que impedem seus compatriotas de chegarem sãos e salvos em casa? E os pseudo-justiceiros que invadem sites para dizer: “faça o que digo; se não fizer, você é um imbecil”?
Não apoio a falta de respeito – não precisa me lembrar, sei que muitos políticos não possuem o mínimo de respeito – mas, se os condeno, por que devo ser igual? Desconfio de quem pensa o contrário, daquele que defende a anarquia, desordem, em busca da ordem; ou que defende a violência em busca da paz. Desconfio de quem se contradiz.
Para mim, uma manifestação tem que ter motivo e objetivo. Acho um pouco tarde para manifestarmos nossa indignação sobre a organização da Copa. De que adianta? Para um estrangeiro, é apenas uma multidão de dignos representantes do desordeiro povo brasileiro. Para uma autoridade, são meros marginais, nada que a tropa de choque não consiga deter. Para um policial, sim, isso é dor de cabeça: expõe seu despreparo, e pode leva-lo a algum inquérito administrativo, caso não consiga controlar a situação e seja obrigado a extrapolar, digamos, a sua atuação.
E, em tempos de rede social, tudo vira “massa”, “show” ou algo assim. Inclusive, aquele otimista do primeiro parágrafo, continua na mesma praça, mas, agora, está sentado em um banco, postando algumas mensagens no seu facebook, pelo celular. Ele fotografou um policial segurando um spray de pimenta, e se sente um premiado fotógrafo, correspondente de guerra.
Nosso amigo manifestante não anda de ônibus, já teve problemas com a polícia por dirigir alcoolizado e se negar a fazer o teste do bafômetro. Antes dessa manifestação, havia participado da última “Marcha da Maconha”. Ah, e não sabe nem da metade da história do Che Guevara.
O povo acordou, e está se olhando no espelho.